Euza: De vida e jabuticabas

As gotas caíam lentas e escorriam queimando em meus caminhos venosos. Lá fora o dia chovia como a chorar pelas dores de todos nós. A imobilidade forçada só me permitia pensar. E sentir um persistente incômodo. Uma quase dor. Nada físico. Era como se estivesse olhando as jabuticabas do menino de Mário de Andrade e descobrindo que sobravam poucas à minha frente.
Fiquei pensando nas minhas jabuticabas. Não sentia nem sinto pela quantidade do que me resta. Sinto pela qualidade do que se foi. Eu que passei a vida sem arrependimentos, agora os tenho. A maior parte das minhas jabuticabas não foi degustada. Engoli-a com a pressa dos gulosos, com a inconsciência dos doidivanas. Agora é hora de cuidar do que ainda me resta.
Quantas jabuticabas ainda me restam? Não sei. Nunca alguém saberá quanto tempo de vida ainda lhe resta. Então fazer o quê com este tempo que nos parece sempre curto?
Ainda como Mário de Andrade, minhas decisões estão chegando. Não sei escrevê-las, mas talvez eu saiba vivê-las. Lentamente, como convém a quem já se descobriu mortal. Insistentemente, como garimpeiro em busca de seu ouro. Alegremente, como criança pulando amarelinha.
Quero a essência das flores e das pessoas. Nada mais de superfície. Quero rir de mim mesma e andar com quem sabe ser beija-flor. Quero ser a alegria do barco voltando e o conforto no imprescindível adeus. Não tenho mais tempo para o superficial, para o medíocre, para o sem-sentido. Meu tempo agora são grãos preciosos de uma areia que, lenta, chegará ao fim.
E fica a inevitável certeza: a ampulheta nunca será virada. Nem a minha, nem a de ninguém. Portanto, que a vida seja sempre o essencial. E essencial é mesmo o amor – em todos os seus tempos, suas formas, seus sentimentos.
Fiquei pensando nas minhas jabuticabas. Não sentia nem sinto pela quantidade do que me resta. Sinto pela qualidade do que se foi. Eu que passei a vida sem arrependimentos, agora os tenho. A maior parte das minhas jabuticabas não foi degustada. Engoli-a com a pressa dos gulosos, com a inconsciência dos doidivanas. Agora é hora de cuidar do que ainda me resta.
Quantas jabuticabas ainda me restam? Não sei. Nunca alguém saberá quanto tempo de vida ainda lhe resta. Então fazer o quê com este tempo que nos parece sempre curto?
Ainda como Mário de Andrade, minhas decisões estão chegando. Não sei escrevê-las, mas talvez eu saiba vivê-las. Lentamente, como convém a quem já se descobriu mortal. Insistentemente, como garimpeiro em busca de seu ouro. Alegremente, como criança pulando amarelinha.
Quero a essência das flores e das pessoas. Nada mais de superfície. Quero rir de mim mesma e andar com quem sabe ser beija-flor. Quero ser a alegria do barco voltando e o conforto no imprescindível adeus. Não tenho mais tempo para o superficial, para o medíocre, para o sem-sentido. Meu tempo agora são grãos preciosos de uma areia que, lenta, chegará ao fim.
E fica a inevitável certeza: a ampulheta nunca será virada. Nem a minha, nem a de ninguém. Portanto, que a vida seja sempre o essencial. E essencial é mesmo o amor – em todos os seus tempos, suas formas, seus sentimentos.
14 comentários:
vivamos pois o essencial amor e todas as suas especiarias,
21/6/10 10:07beijo
Amiga que lindo.
21/6/10 12:14Gostaria de saber ser beija-flor, para poder te acompanhar, mas só sei ser o que sou, um maritaca barulhento e ineficiente, que rabisca palavras e quer que as mesmas tenham algum sentido.
Mesmo assim, adoro, nois meus momentos de seriedade, te ler e sonhar.
Lindo texto . Um quê de melancolia ...
21/6/10 12:55beijos
Canto bonito, melancólico, triste, desencantado, apesar da glorificação do amor, no final. A leitura me deixou com um gosto amargo na alma, como quem se depara com o adeus de uma companheira de armas. Como antídoto, recorro a Drummond, em Idade Madura:
21/6/10 13:31"Mas, repara, bem no fundo
Dentro de ti, bem no fundo,
Há reservas colossais de tempo,
Futuro, pós-futuro, pretérito,
Há domingos, regatas, procissões,
Há mitos proletários, condutos subterrâneos,
Janelas em febre, massas da água salgada, meditação e sarcasmo."
Que "as lições das infância não sejam desaprendidas na idade madura".
Beijo. (exclui o comentário anterior em razão de erros crassos de revisão).
Belo texto....
21/6/10 17:27Está me fazendo refletir!
Beijos
D'Euza!
23/6/10 10:46Impossível ler um texto teu sem o acompanhamento de uma lágrima fugidia, de um sorriso tristonho, de um aperto no coração já meio cansado das batalhas da vida, embora ainda valente para enfrentar aquelas que deveráo, inevitavelmente, surgir. Mas essa melancolia não é aquela perniciosa, tão detestada por todos. Pelo contrário, é uma melancolia que mistura um pouco de saudade a um pouco de expectativa pelo desconhecido. Sempre temperada pelo amor, esse eterno companheiro das nossas vidas.
Não consegui comentar na segunda feira, com o coração aos pulos. Precisei dar um tempo e retornar, mais calmo, menos emotivo.
Você não imagina quantas emoções e reflexões me trouxe esta mais nova jóia produzida por você, uma das minhas eternas musas...
Beijo, com carinho.
Ao contrário do Jens, num achei triste, não: o brilho que as jaboticabas têm só dão alegrias a quem as observa. Não tenho a menor dúvida de que tuas jaboticabas, Euzamaria, foram as mais negras e lustrosas que se poderia querer - e ainda tem muitas por vir! Eu tbm gosto muito de pensar nas minhas, e com certeza tenho menos a chupar (ui! rs) do que você. ;-) Me rsta encontrar o que de mais essencial há em mim, em ti, em todo mundo, né? :-P
24/6/10 16:39Bjo, querida, fica com Deus!
Eu gosto disso, de se ter opções, de se escolher. Do poder de decisão sobre a vida, de tomar as rédeas que nos são possíveis tomar. De querer o néctar, o melhor que se puder extrair das pessoas, dos momentos, das situações. Viver sem pressa, mas sem perder tempo com o quê e com quem não vale a pena. Gosto de lê-la assim também, reflexiva, esse desfolhar de uma vida, esse repensar a própria história, as tomadas de decisões, percebo isso como uma libertação. E ser livre é antes de tudo uma grande felicidade.
25/6/10 18:11Um beijo grande, carinho e desejos de toda a felicidade do mundo para ti.
;)
Não sei se o arrependimento é cabível... Todo e qq jovem dá suas cabeçadas, tem pressa e quer tudoaomesmotempoagora. A quantidade está em 1º lugar justamente pq qualidade é subjetivo. E não acho q esse meu comentário sobre a juventude seja pejorativo, pq entendo q esse estágio e essa pressa e essa quantidade é q traz sabedoria. E ela trará reflexões e conclusões, mas não sei se cabe arrependimentos. Pq, teve-se todo amor que se quis e do jeito pode. E só por PODER ter tido (e saber continuar tendo) amor (qualitativo e concreto), já é muito, já é tudo.
26/6/10 13:42E eu aqui pensando... Contarei ao invés de jabuticabas, cerejas? kkkkkkkkkkkkkk
Beijos muié!
Demorei mas cheguei, e, chego gostando, entendendo e sentindo o passo de cada linha. No começo, vamos traçando linhas em passos apressados e um tanto iludidos de infinitude. Depois, com a maturidade, vamos apreendendo o tempo como sendo o tempo que temos no agora. E tudo é um imenso aprendizado, inclusive contar jabuticabas e desejar contar cerejas.
28/6/10 17:45Beijos
Esse teu texto, não é uma jaboticaba, é o que parece na foto: uma pérola negra...
1/7/10 14:48Realmente,você está colhendo borboletas.
Também estou contando as frutas. Aqui no nordeste se contam os cajus...
12/7/10 14:03Abraço fra/terno.
Será que ainda vale postar um comentário com tanto atraso? Vamos lá. Faço meus todos os outros comentários, com licença de seus autores, e lamento que não tenhas mais tempo para os medíocres, porque sou um deles. Meu beijo.
7/12/10 07:14Postar um comentário