Páginas

Trivialmente

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Trivialmente

.


LIMPANDO GAVETAS – AREJANDO A VIDA

Enorme dificuldade: limpar gavetas, remexer guardados, jogar fora coisas sem utilidade prática. Geralmente decido num dia, para fazer em outro, ganhando tempo, adiando o problema. Tomada a coragem e aberta a primeira gaveta, meus olhos percorrem o conteúdo, minhas mãos, nervosas e inquietas separam aleatoriamente, pois tudo faz parte de um tesouro. São papéis, fotos, cartas, bilhetes, cartões de visita, anotações em papeizinhos, telefones não se sabe de quem, e tantas outras preciosidades, cada uma com sua história, sua peculiaridade. Feitos os montinhos, nova seleção, com lembranças desviando a atenção do objetivo principal. Com muito custo e coragem, jogo fora alguns montinhos. Às vezes, retiro algo do lixo, reavalio e decido: jogo fora de vez ou guardo de novo?

Não tenho essa dificuldade com roupas ou coisas de casa. Vivo dando roupas praticamente novas. Meu guarda-roupa é básico, com algumas peças indispensáveis. Contentes ficam a minha empregada, o asilo e algumas pessoas que costumam ser ‘presenteadas’, incluindo roupa de cama e de banho. Batedeira, torradeira, sanduicheira, mix e secador de cabelos já se foram há tempos. Dei uma limpeza também nos móveis, mantendo o básico necessário.

Mas na hora de limpar gavetas, arejar um pouco a vida, limpar a memória de coisas que já perderam a importância, a coisa pega. Fico inseguro, sem coragem de livrar-me das memórias, dos guardados.

Os fundamentos do Feng Shui mostram que coisas sem utilidade, guardadas, retêm as energias, não as deixando fluir livremente e acabam até desenergizando o ambiente e seus habitantes. Para que as más energias sejam transformadas e fluam é necessário que se faça, periodicamente, uma limpeza em tudo o que costumamos acumular. Devemos nos desfazer de tudo que já não serve mais, está quebrado, colado, não é mais original.

Eu não sou supersticioso e nem me deixo guiar pelas crenças esotéricas, mas não custa nada seguir alguns preceitos, afinal mal não há de fazer. Por isso, vira e mexe me sacrifico tentando limpar um pouco as gavetas, pois é aí que minhas energias se perdem. Entre tantas lembranças, tantas histórias.

Há algum tempo resolvi que minha estante estava superlotada de livros que nunca mais iria ler. Serviriam apenas para juntar poeira. Então, num arroubo de coragem, comecei a separá-los. Cheguei a separar mais ou menos metade deles, mas aí o apego, o sentimento de posse, ou mesmo o afeto criado durante a leitura, começaram a me deixar em dúvida. Aquele, cuja história me emocionou; o outro, presenteado por um amigo muito especial; aquele outro. Este foi a Célia quem deu, no meu aniversário do ano passado. E este, eu ganhei do Paulo, no Natal de 1998; tem até uma dedicatória. E assim, iam voltando para a estante, os livros antes ameaçados de despejo. Mas consegui uma vitória! Enchi três caixas com os que não tiveram argumentos suficientes para me convencer a mantê-los. Aí, veio a dúvida: o que fazer com eles? Vender? Nem pensar. Doar? Claro, mas para quem? Meu gosto é tão eclético, os assuntos tão diferentes, que dificilmente poderiam ser doados a uma biblioteca. Perguntei no asilo, mas os velhinhos já não leem mais. Então, enquanto não encontro destino melhor para eles, aconcheguei-os bem pertinho de mim: as três caixas de papelão, devidamente seladas com fita adesiva, estão embaixo da minha cama.

Agora estou às voltas com uma outra caixa cheia de cartas. Consegui a proeza de, pelo menos, reuni-las nessa caixa, mesmo que os remetentes nem sempre se conheçam. Eu as separei, reli algumas, juntei por remetente e fui guardando na caixa, boca aberta, apetite voraz. Todas acomodadas em seu interior, suas tampas se fecharam sobre elas e deve guardá-las. Até quando? Não sei. Sei que parte dessas cartas deveria ir para o lixo, pois já não tenho contato com essas pessoas há tanto tempo... outras, perderam a razão de ser, por desamor, ou pela falta de (acho que tanto faz). Algumas trazem ótimos momentos, envoltos em saudade de tempos que não voltam mais. Outras ainda machucam, fazem mal, remexem feridas. Será que vale a pena guardá-las? Não sei e não ouso responder.


.

0 comentários:

 
PALIMPNÓIA | by TNB ©2010