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domingo, 7 de junho de 2009

EntreAspas

Cada um de nós compõe a sua história,
e cada ser em si carrega o dom de ser capaz
de ser feliz...
(Almir Sater - Renato Teixeira)


Volta e meia, leio um texto derrotista e isso sempre mexe comigo. Não por tristeza. Nem por dó. Derrotismo me incomoda, me irrita, me soa como ressaca de falsas escolhas. Ser ou não um lutador depende apenas do livre-arbítrio.
Dia destes, alguém que tem tudo para ser um vencedor me mandou um texto terrivelmente derrotista. Meu primeiro impulso foi passar a mão em sua cabeça e dar-lhe ainda mais motivos para ter dó de si mesmo. Acordei a tempo. Não por acaso. É que me lembrei de um dos meus “afilhados”, um ex-menino de rua, na luta contra o mundo das drogas.
Beto era um garoto franzino de grandes olhos famintos. Desenhava o tempo todo. Mesmo quando a crise de abstinência o deixava trêmulo, seus dedos rabiscavam pássaros. Sempre vôos em direção ao infinito. Venceu o vício, voltou a freqüentar a escola. Mas não se livrou do medo quase delirante de não conseguir ir em frente. Sempre calado, seguia vivendo um dia de cada vez. Seus sonhos eram apenas os vôos dos pássaros no papel. Um dia, não voltou da escola. Numa briga com um colega, fora expulso. Sumariamente. Numa atitude preconceituosa e arbitrária a escola julgou-o e condenou-o inapto a viver em sociedade. Apenas ele. O outro garoto não tinha um passado que o condenasse. Três meses depois recebi a notícia de que ele havia morrido de overdose. Comigo, ficaram os desenhos e o sonho perdido de pássaro livre.
Sinto saudades dos tímidos e pequenos sonhos deste garoto. Saudades de um futuro que voou para o infinito. Dele não posso dizer que foi um derrotista ou culpá-lo por desistir de viver. Era apenas uma criança lutando contra o mundo e seus preconceitos.
O mesmo não posso dizer deste alguém que me escreveu e de todas as pessoas que têm muito a seu favor e escolhem trilhar caminhos que levam a lugar algum. Estes sim são responsáveis por suas escolhas. Consequentemente, únicos responsáveis pelas dores e solidão que elas trazem.
Afinal, felicidade não é um dom. Dom é ser capaz de buscá-la, de construí-la. E este, todos nós temos.


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