Memórias de um velho safado
Nas asas da PanairNão gosto de viajar. Na verdade não é bem isto; o que me desagrada são os momentos de ida e vinda. Nestas ocasiões fico deprimido, dividido entre a tristeza de deixar aqueles que amo e prévia alegria do (re)encontro com os que igualmente desfrutam do meu afeto. Por diversas vezes desejei ter o dom da ubiqüidade. Não gosto de abandonar, nem de ser abandonado.
Nem sempre foi assim. Nos anos de delinqüência juvenil, viajar era sinônimo de aventura, principalmente quando o destino era o litoral da Santa Catarina. Na época, imprudentemente, a mana e o cunhado vinham para Porto Alegre e deixavam seu sacrossanto lar à disposição do demônio e sua corte – isto é, eu e meus asseclas. A pudicícia da meia idade me impede de descrever os festins profanos que então promovíamos. Igualmente o recato não permite que revele publicamente as delícias possíveis de nos surpreender em viagens rodoviárias interestaduais. Aos jovens que me procuram em busca de conselhos – mediante módica remuneração, naturalmente – recomendo o horário noturno e os dois primeiros bancos ou os dois antepenúltimos, próximos, mas não tanto assim, do banheiro. Indispensável, obviamente, uma boa companhia e, claro, um bom cobertor. À noite, na estrada, faz frio. Mesmo no verão.
Mas isto foi ontem. Não sou mais um aventureiro, mas sim um cidadão de idade provecta, responsável pagador de impostos e passivo consumidor televisivo.
Hoje as viagens têm motivação cada vez mais nostálgica. Gostaria mesmo de poder viajar fisicamente ao passado, novamente vivenciar, no tempo e no espaço, situações que me fizeram particularmente feliz ou foram especialmente prazerosas. De certa maneira é o que faço, em noites vadias quando a insônia mantém a imaginação desperta.
Ultimamente, navego sempre para o mesmo porto: o interior de um fusca cor de laranja em uma noite amena do verão de 1972 em Ipanema. Foi quando fui beijado pela primeira vez. Recordar é bom, mas suspeito que seria mais saudável tentar conquistar e me deixar conquistar por uma mulher. Ou será que a temporada de beijos está proibida para lobos velhos, cansados e carentes?
Bem, dizem os sábios que não se pode repetir o passado.
Será mesmo?
Seja como for, concordo com a observação final de Francis Scott Key Fitzgerald em O Grande Gastby, um romance que fala sobre o fascínio que o ontem exerce sobre o hoje: “E assim prosseguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente para o passado.”
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