EntreAspas
"Eis que me livro de um laço
mesmo que outro
já esteja sendo jogado nos meus passos."
Estes versos são do poeta Dauri Batisti. Não sei qual a intenção do poeta – isso só a ele pertence. Sei do quanto os versos me falaram nesta minha volta à escrita. Por isso, contorno os temas combinados aqui e os coloco entre aspas.
Laços me lembram fitas coloridas enfeitando vestidos e cabelos. Mas muito mais que enfeitar, eles unem pontos, criam aconchego onde antes eram pontas soltas, preenchem espaços onde antes era vazio. Enlaçar é um verbo de ação. Conservar os laços é uma arte. A arte da aceitação, da tolerância, da cooperação.
Estamos no tempo dos descartáveis. Adulterando Lavoisier, nada se cria, muito se copia e tudo se joga fora. Também é assim com as relações. Os investimentos são pequenos, o reconhecimento é provisório e a tolerância se estica por poucos centímetros. É fato que nos enlaçamos por afinidades, sejam elas quais forem. Mas venho sentindo, de forma crescente e ao contrário dos inúmeros e belos discursos vigentes, que temos cada vez menos habilidade e disponibilidade para lidar com a alteridade, com o estranhamento e com a mestiçagem. Buscamos as semelhanças, mas fugimos das diferenças – talvez por medo de nos descobrirmos nelas.
Um dos meus grandes amigos é um judeu ortodoxo. Por várias vezes já nos afastamos por compreendermos o mundo sob sentimentos diferentes. Por várias vezes nos reaproximamos por entendermos que não mudamos um ao outro com a nossa radicalidade. Somos mudados, substancialmente, com as ínfimas transformações que cada um de nós imprime em si mesmo na convivência com as diferenças. E assim nossos laços vão se conservando – apesar das distâncias entre nossas crenças.
Por outro lado, um dos mais sólidos laços que eu conservava foi desfeito. Depois de quase trinta anos de convergências e divergências, foi preciso desatá-lo para que o respeito e a cooperação sobrevivessem. Caiu o laço da convivência, nasceu o laço da amizade. O que doía na carne às seis da manhã, tornou-se manjar na hora do almoço. O que era irritante ao jantar, virou diversão ao luar. O que me faz ter a certeza de que laços não precisam necessariamente virar nós ou serem descartados como garrafas pet.
Laços não são nem precisam ser definitivos na sua essência. Mudam. Transformam-se quando existe respeito por nós mesmos e pelas nossas diferenças, quando existe a disposição para o investimento em nós e no outro. E transformados, viram novos laços. E entrelaçam os nossos passos.
Deixar-se surpreender sempre pela novidade dos sentimentos e não tentar equacioná-los pela lógica das nossas certezas pode ser uma boa forma de entrelaçar nossos braços e passos. Eu acho.
mesmo que outro
já esteja sendo jogado nos meus passos."
Estes versos são do poeta Dauri Batisti. Não sei qual a intenção do poeta – isso só a ele pertence. Sei do quanto os versos me falaram nesta minha volta à escrita. Por isso, contorno os temas combinados aqui e os coloco entre aspas.
Laços me lembram fitas coloridas enfeitando vestidos e cabelos. Mas muito mais que enfeitar, eles unem pontos, criam aconchego onde antes eram pontas soltas, preenchem espaços onde antes era vazio. Enlaçar é um verbo de ação. Conservar os laços é uma arte. A arte da aceitação, da tolerância, da cooperação.
Estamos no tempo dos descartáveis. Adulterando Lavoisier, nada se cria, muito se copia e tudo se joga fora. Também é assim com as relações. Os investimentos são pequenos, o reconhecimento é provisório e a tolerância se estica por poucos centímetros. É fato que nos enlaçamos por afinidades, sejam elas quais forem. Mas venho sentindo, de forma crescente e ao contrário dos inúmeros e belos discursos vigentes, que temos cada vez menos habilidade e disponibilidade para lidar com a alteridade, com o estranhamento e com a mestiçagem. Buscamos as semelhanças, mas fugimos das diferenças – talvez por medo de nos descobrirmos nelas.
Um dos meus grandes amigos é um judeu ortodoxo. Por várias vezes já nos afastamos por compreendermos o mundo sob sentimentos diferentes. Por várias vezes nos reaproximamos por entendermos que não mudamos um ao outro com a nossa radicalidade. Somos mudados, substancialmente, com as ínfimas transformações que cada um de nós imprime em si mesmo na convivência com as diferenças. E assim nossos laços vão se conservando – apesar das distâncias entre nossas crenças.
Por outro lado, um dos mais sólidos laços que eu conservava foi desfeito. Depois de quase trinta anos de convergências e divergências, foi preciso desatá-lo para que o respeito e a cooperação sobrevivessem. Caiu o laço da convivência, nasceu o laço da amizade. O que doía na carne às seis da manhã, tornou-se manjar na hora do almoço. O que era irritante ao jantar, virou diversão ao luar. O que me faz ter a certeza de que laços não precisam necessariamente virar nós ou serem descartados como garrafas pet.
Laços não são nem precisam ser definitivos na sua essência. Mudam. Transformam-se quando existe respeito por nós mesmos e pelas nossas diferenças, quando existe a disposição para o investimento em nós e no outro. E transformados, viram novos laços. E entrelaçam os nossos passos.
Deixar-se surpreender sempre pela novidade dos sentimentos e não tentar equacioná-los pela lógica das nossas certezas pode ser uma boa forma de entrelaçar nossos braços e passos. Eu acho.
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Em parceria com Adelita:
Mercedes Sosa e Fito Paes - Vengo a oferecer mi corazon
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