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sexta-feira, 24 de abril de 2009

EntreAspas

"Eis que me livro de um laço
mesmo que outro
já esteja sendo jogado nos meus passos."


Estes versos são do poeta Dauri Batisti. Não sei qual a intenção do poeta – isso só a ele pertence. Sei do quanto os versos me falaram nesta minha volta à escrita. Por isso, contorno os temas combinados aqui e os coloco entre aspas.
Laços me lembram fitas coloridas enfeitando vestidos e cabelos. Mas muito mais que enfeitar, eles unem pontos, criam aconchego onde antes eram pontas soltas, preenchem espaços onde antes era vazio. Enlaçar é um verbo de ação. Conservar os laços é uma arte. A arte da aceitação, da tolerância, da cooperação.
Estamos no tempo dos descartáveis. Adulterando Lavoisier, nada se cria, muito se copia e tudo se joga fora. Também é assim com as relações. Os investimentos são pequenos, o reconhecimento é provisório e a tolerância se estica por poucos centímetros. É fato que nos enlaçamos por afinidades, sejam elas quais forem. Mas venho sentindo, de forma crescente e ao contrário dos inúmeros e belos discursos vigentes, que temos cada vez menos habilidade e disponibilidade para lidar com a alteridade, com o estranhamento e com a mestiçagem. Buscamos as semelhanças, mas fugimos das diferenças – talvez por medo de nos descobrirmos nelas.
Um dos meus grandes amigos é um judeu ortodoxo. Por várias vezes já nos afastamos por compreendermos o mundo sob sentimentos diferentes. Por várias vezes nos reaproximamos por entendermos que não mudamos um ao outro com a nossa radicalidade. Somos mudados, substancialmente, com as ínfimas transformações que cada um de nós imprime em si mesmo na convivência com as diferenças. E assim nossos laços vão se conservando – apesar das distâncias entre nossas crenças.
Por outro lado, um dos mais sólidos laços que eu conservava foi desfeito. Depois de quase trinta anos de convergências e divergências, foi preciso desatá-lo para que o respeito e a cooperação sobrevivessem. Caiu o laço da convivência, nasceu o laço da amizade. O que doía na carne às seis da manhã, tornou-se manjar na hora do almoço. O que era irritante ao jantar, virou diversão ao luar. O que me faz ter a certeza de que laços não precisam necessariamente virar nós ou serem descartados como garrafas pet.
Laços não são nem precisam ser definitivos na sua essência. Mudam. Transformam-se quando existe respeito por nós mesmos e pelas nossas diferenças, quando existe a disposição para o investimento em nós e no outro. E transformados, viram novos laços. E entrelaçam os nossos passos.
Deixar-se surpreender sempre pela novidade dos sentimentos e não tentar equacioná-los pela lógica das nossas certezas pode ser uma boa forma de entrelaçar nossos braços e passos. Eu acho.


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Em parceria com Adelita:
Mercedes Sosa e Fito Paes - Vengo a oferecer mi corazon

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