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sexta-feira, 10 de abril de 2009

A Convidada


Suco de gente



A noção de arte como “suco de gente” começou a frequentar minha cabeça a partir de um pensamento casual. Tinha tomado um suco de laranja delicioso e comecei a imaginar que aquela devia ser uma laranja diferente das outras, com mais recursos que suas semelhantes. Daí me veio a estranha ideia de uma laranja artista. Achei isso engraçado, mas logo esqueci.

Agora, que tenho por tarefa um texto sobre arte, a ideia volta à tona. Assim como a palavra “suco” sugere o melhor de uma fruta madura e gostosa, “artista” remete ao melhor de alguém. Mas como? – pensarão essas pessoas que exigem sempre expressões politicamente corretas. Então o fato de ser artista torna alguém melhor que os outros mortais? Afinal, nem todo mundo faz arte. E se a arte é o “melhor” de uma pessoa, fica implícito que o resto não tem esse melhor.

Nada disso. Há quem dê o melhor de si num consultório, num esporte, numa empresa, no comércio, na sala de aula, numa construção ou num almoxarifado. Ninguém é obrigado a ser artista para ser melhor em alguma coisa. A diferença está em que a arte é um dom que proporciona aos outros um motivo de prazer estético, ou seja, uma sensação intangível que se aproxima bastante da espiritualidade, porque, além de tudo, vem “de graça”.

Não que o produto da arte seja necessariamente místico, ao contrário: quase sempre a arte se refere e se alimenta da realidade mais concreta, do que se experimenta com os sentidos e nem ao menos corresponde ao que se convencionou chamar “o belo”. Sua afinidade com o que é espiritual vem do prazer que nos dá; porque o espírito participa do que dá prazer, mesmo que seja um prazer puramente físico. Isso parece um paradoxo dos mais empedrados; mas se desconectarmos a ideia de espírito do conceito religioso que ele costuma exprimir, vamos perceber com clareza que, ao nos suscitar um prazer autônomo e apontar para novos modos de entender e perceber o mundo, a arte enriquece nossa experiência de vida, afina a sensibilidade e amplia nosso repertório – ou seja, torna nosso espírito mais amplo e nos leva mais longe.

Mas é um pouco chato falar de arte com essa cerimônia toda. Porque a gente tem que viver e curtir arte no dia-a-dia, experimentar pelos sentidos o que ela tem de bom, em vez de só pensar nela. No quadro, no filme, no show, na música que ouvimos, no texto que lemos, no desenho de animação, no poema que nos toca fundo, a arte está ao alcance da mão. Tanto quanto o copo daquele suco da fruta mais doce, madura e deliciosa que nos faz tanto bem.



Adelaide Amorim do blogue Umbigo do Sonho


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