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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Conversas de um velho safado


O Velho

O motoboy parecia assustado.
- Taí ó – disse ele.
Peguei o envelope e indaguei:
- Tá com medo de quê?
- Nada – respondeu envergonhado. Depois acrescentou:
- O senhor já viu ele? É de arrepiar.
Paguei e não respondi. Sabia do que estava falando. Um dia antes conversei com o Velho e a sua figura esquelética, barbuda, a voz cavernosa, também havia me assustado. Ele é uma espécie de quebra galho e sábio do bairro. Encrenca é o seu negócio, resolve desde conflitos amorosos, doenças na família a questões existenciais.
O meu problema era de ordem intelectual. Por razões que não convém aqui explicitar, não entreguei a minha crônica para o Palimpnóia na data aprazada (quarta-feira passada). A minha editora, gostoduzulda, mas tirânica, me mandou um email irado e sucinto, no qual manifestava a determinação de extirpar os meus testículos sem anestesia (gulp!) e expô-los ao sol, para apreciação do leitorado. Só de ler e lembrar sinto uma dor lancinante nos países baixos. Apavorado, procurei o Velho.
- Me tira desta enrascada – implorei.
Ele ouviu cofiando a barba e esboçou um leve sorriso quando mencionei a possibilidade de ter o meu aparelho reprodutor mutilado. Por alguma razão, a perspectiva de que o mesmo fosse exposto à visitação pública pareceu agradá-lo. Não sei a razão das pessoas quererem me machucar, sou tão bonzinho. Depois de pigarrear, cuspiu e disse com a voz gutural:
- 50 paus.
Estava preparado. Passei um bolo de notas de 1, 2 e 5 reais. Ele contou, guardou num pote de maionese vazio que fazia as vezes de cofre.
- Ide e aguardai. A resposta segue por motoboy.
Eu estava abrindo a cancela do portão, quando ele gritou da porta:
- O transporte é por tua conta.
A resposta chegou no dia seguinte pela manhã.
Depois que o guri saiu, conferindo o punhado de moedas com que lhe paguei, com as mãos trêmulas abri o envelope que continha a minha salvação. Os garranchos formavam uma única frase: “Conti a nosa istória” (sic).
“Que merda é esta?”, pensei. Telefonei para o Velho, que, apesar de recluso, não abre mão de certos confortos da vida moderna, como telefone, microondas e tevê a cabo.
- Não entendi nada. Tá a fim de me sacanear? – a irritação fez com que esquecesse as precauções necessárias ao lidar com o Velho, a fim de não despertar a sua sacrossanta ira. Segundo a lenda, suas pragas são infalíveis e podem arruinar a vida do alvo. Por sorte, ele deixou a irreverência passar batido.
- Não entendeu o quê, seu bolha?
- Como assim contar a nossa história?
- É isto mesmo. Conta o que aconteceu desde ontem, como tu veio rastejando até aqui borrado de medo, implorando ajuda para manter o respeito dos teus leitores, a começar pela boazuda da tua editora, e a integridade do teu saco. Aliás, não sei pra quê. Todo mundo na zona sabe que isto aí não serve mais pra nada. Conta a história com jeitinho, te faz de vítima, tu é bom nisto. É possível que sejas perdoado.
- Hummm... tô começando a entender. Será que vai dar certo?
- Sei lá. Mas o que tu tem a perder? – encerrou o Velho, desligando sem ao menos desejar boa sorte.
“Humpft! O que tenho a perder? Nada, só as bolas”. No entanto, sem outra saída, segui o seu conselho.
O resultado está aí. Mais uma vez, escapei. Por um triz.

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