EntreAspas
."Palavra minha
Matéria, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra"
(Chico Buarque )
A cada vez que pintava uma idéia, eu disparava a escrever. E a tal idéia finalizava no primeiro parágrafo. Foi assim durante quase uma semana. As idéias iam surgindo aos borbotões. E com a mesma rapidez, morriam. Cheguei mesmo a pensar: como uma cirurgia no pé é capaz de interferir diretamente nos neurônios? Não é, claro. Mas pode interferir no meu estado de espírito. E interferiu.
Que eu me lembre, este foi meu début na imobilização geral. E por ter sido imobilização, não houve valsa, nem sapatos de cristal. Que seja também o último episódio deste anti-conto de fadas, ainda que eu tenha que ferir os nós dos dedos batendo na madeira.
Sempre fui desastrada e, em conseqüência, já imobilizei braços, mãos, pernas e pés. Nada que me impedisse de exercer todas as funções que me davam prazer e também aquelas que eu queria mandar para o inferno. Desta vez, não tive outra escolha senão sentir saudades das minhas charmosas trombadas, seguidas de gargalhadas descoradas, e assistir as palavras passando por mim como foguetes inconseqüentes – como se eu precisasse dos pés para alcançá-las. E sobreveio um horrível sentimento de incompetência intelectual. A Palavra estava ali, mas eu não era mais capaz de dar a ela sequer um traje simples, ainda mais a roupagem metafórica que foi sempre minha grande busca. Enlouqueci.
Tirando o exagero, quase enlouqueci. Não sei qual é a importância da Palavra para você que me lê. Talvez nem dê importância a incompetências momentâneas, como esta. Mas para mim, é crucial. A minha relação com a palavra sempre foi íntima, idílica e amorosa. Começou ainda nos tempos da delicadeza. Menina tímida, tive a fala paralisada. Em contrapartida, os pensamentos ganharam asas. A única saída foi virar uma pessoinha letrada e colocar no papel o que a voz se negava a dar forma. Aconteceu cedo. Muito antes do que se esperava. E o encontro com a palavra foi a abertura das minhas janelas para o mundo. Desde então, respeitamo-nos. Ela, na sua imensa capacidade de construir-provocar-destruir. Eu, na minha imensa pretensão de tê-la sempre andando comigo de mãos dadas, como parceira de todas as horas. E sempre foi assim. Até viver esta estranha experiência de completa castração do meu intelecto.
Tenho a impressão de que este estado castrador ainda não terminou. Acredite ou não, este texto está sendo tecido laboriosamente há dias. Já o deletei vezes sem conta e outras vezes sem conta, o recomecei. Mas não estou mais desesperada. Meu lado racional já travou todas as batalhas que lhe competia e está começando a ganhar espaço na minha loucura. E com isso, aprendi um pouco mais sobre mim – quase sempre aprendemos de forma dolorosa. Não sou tão preguiçosa quanto acreditava ser. Sou desejosa da preguiça. Talvez porque nunca tenha realmente tido tempo para o ócio, eu o deseje como se fosse o pote de ouro que o arco-íris esconde. Mas agora sei. Ele é ilusoriamente reluzente. E, embora romântica e sonhadora, não sou afeita a ilusões.
Acho que me perdi. E agora? Como termino?
Já sei. Como ainda há em mim resquícios desta luta com a Palavra – ou com a falta dela - é melhor não correr o risco de descortinar ainda mais o meu emburrecimento. Afinal, como diz Chico, a palavra me escreve desatenta. Paro por aqui. Simples assim.
Que eu me lembre, este foi meu début na imobilização geral. E por ter sido imobilização, não houve valsa, nem sapatos de cristal. Que seja também o último episódio deste anti-conto de fadas, ainda que eu tenha que ferir os nós dos dedos batendo na madeira.
Sempre fui desastrada e, em conseqüência, já imobilizei braços, mãos, pernas e pés. Nada que me impedisse de exercer todas as funções que me davam prazer e também aquelas que eu queria mandar para o inferno. Desta vez, não tive outra escolha senão sentir saudades das minhas charmosas trombadas, seguidas de gargalhadas descoradas, e assistir as palavras passando por mim como foguetes inconseqüentes – como se eu precisasse dos pés para alcançá-las. E sobreveio um horrível sentimento de incompetência intelectual. A Palavra estava ali, mas eu não era mais capaz de dar a ela sequer um traje simples, ainda mais a roupagem metafórica que foi sempre minha grande busca. Enlouqueci.
Tirando o exagero, quase enlouqueci. Não sei qual é a importância da Palavra para você que me lê. Talvez nem dê importância a incompetências momentâneas, como esta. Mas para mim, é crucial. A minha relação com a palavra sempre foi íntima, idílica e amorosa. Começou ainda nos tempos da delicadeza. Menina tímida, tive a fala paralisada. Em contrapartida, os pensamentos ganharam asas. A única saída foi virar uma pessoinha letrada e colocar no papel o que a voz se negava a dar forma. Aconteceu cedo. Muito antes do que se esperava. E o encontro com a palavra foi a abertura das minhas janelas para o mundo. Desde então, respeitamo-nos. Ela, na sua imensa capacidade de construir-provocar-destruir. Eu, na minha imensa pretensão de tê-la sempre andando comigo de mãos dadas, como parceira de todas as horas. E sempre foi assim. Até viver esta estranha experiência de completa castração do meu intelecto.
Tenho a impressão de que este estado castrador ainda não terminou. Acredite ou não, este texto está sendo tecido laboriosamente há dias. Já o deletei vezes sem conta e outras vezes sem conta, o recomecei. Mas não estou mais desesperada. Meu lado racional já travou todas as batalhas que lhe competia e está começando a ganhar espaço na minha loucura. E com isso, aprendi um pouco mais sobre mim – quase sempre aprendemos de forma dolorosa. Não sou tão preguiçosa quanto acreditava ser. Sou desejosa da preguiça. Talvez porque nunca tenha realmente tido tempo para o ócio, eu o deseje como se fosse o pote de ouro que o arco-íris esconde. Mas agora sei. Ele é ilusoriamente reluzente. E, embora romântica e sonhadora, não sou afeita a ilusões.
Acho que me perdi. E agora? Como termino?
Já sei. Como ainda há em mim resquícios desta luta com a Palavra – ou com a falta dela - é melhor não correr o risco de descortinar ainda mais o meu emburrecimento. Afinal, como diz Chico, a palavra me escreve desatenta. Paro por aqui. Simples assim.
* a imagem do post é um desenho de Beti Timm
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