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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Conversas de um velho safado

Feliz Aniversário


Nasci no dia 30 de dezembro. Durante certo tempo foi legal aniversariar cinco dias depois do Natal. Na infância, presentes em dobro; lá em casa nunca teve este negócio de um presente só para as duas ocasiões, sob o risco de eu ficar emburrado em ambas. Creiam, não sou nem um pouco agradável quando fico amuado.
Na minha memória aqueles dias eram sempre azuis; suspeito que seja pela lembrança de uma metralhadora Thompson lata de goiabada, como as usadas pela gangue de Al Capone (caçada implacavelmente pela turma de Eliott Ness. Atenção, jovens: era um seriado ianque, Os intocáveis, que passava na tevê pré-histórica dos anos 60 do século passado). A Thompson, que eu ganhei do pai, era de plástico azul e tinha uma manivela que, quando girada, fazia ratátátá.
Na adolescência, meu natalício significava mais um dia de festa no final de ano. A esbórnia começava no dia 30 e só terminava com o primeiro dia do ano. Três dias de festa móvel e ininterrupta.
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Um dos meus melhores aniversários foi o de 19 anos, numa sexta-feira. Ainda morava em Ipanema, na casa da rua Morano Calabro, e trabalhava no Banrisul. Compareceram todos, a turma do bairro, do colégio e do banco. Um baita festão, apesar do churrasco salgado em demasia (Inácio, o assador, fazia sua estreia na condição de churrasqueiro; além de usar sal grosso, banhou a carne com salmoura durante o cozimento - o resultado foi sal com carne assada; a salada de maionese feita pela mãe nos salvou da fome total).
No fim festa, alguém sugeriu: “vamos na Edith”, proposta aceita com entusiasmo pela maioria dos convivas, já devidamente estimulados pelo consumo excessivo (eu diria industrial) de cerveja. Assim, lá fomos nós rumo ao Guarujá, bairro coladinho em Ipanema, visitar a Edith.
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A Edith era uma dama gentil que abrigava em sua morada garotas igualmente gentis e alegres. Era uma excelente anfitriã, sempre disposta a proporcionar divertimento para jovens púberes ou cavalheiros maduros (mediante uma módica remuneração, obviamente).
Na residência a vivacidade era vermelha (sempre vermelha), as gurias bonitas e a música animada. Apesar de ser a minha primeira vez na casa, fui saudado com um Parabéns a Você tocado pelo conjunto e cantado pelas meninas. Um charme.
Na época eu estava sob a influência sensorial dos trópicos de Henry Miller e havia lido Teresa Batista Cansada de Guerra, ficando particularmente impressionado pela passagem onde a heroína conhece as delícias do sexo (ah!, sempre ele). Fisicamente, eu já não era mais virgem na matéria; emocionalmente, sim. Até então, meus encontros carnais com o sexo oposto deixavam muito a desejar. Sabia que faltava alguma coisa. Henry e Jorge (principalmente este) revelaram o que era. E eu estava disposto a conquistar o tesouro naquele dia. Ou melhor, noite. Ou ainda, para ser mais exato, madrugada.
Tive a certeza de que isto aconteceria quando a vi. Pele branca, baixinha, gostosinha, cabelos curtos escuros, olhos vivos e negros, boca vermelha e provocante – parecida com meu primeiro, impossível e mais genuíno amor, a Naira (então já casada), o que certamente foi decisivo para o meu deslumbramento. Inicialmente seu nome era Raquel. Depois que a confiança se estabeleceu, mudou para Miriam, conforme a certidão de nascimento. Ficamos juntos e sós num quarto vermelho (a cor do amor) por quatro revolucionárias e inesquecíveis horas.
As seis da matina, de volta pra casa, eu era finalmente um homem de verdade, conhecedor das delícias dos extremos da paixão.
Foi o melhor presente que já ganhei. É claro que houve outras noites e madrugadas igualmente esplendorosas, até melhores. Mas nunca no dia do meu aniversário.
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PS 1 – Soube que a Edith ainda existe, sob nova administração, mas no mesmo local. Qualquer dia destes vou lá, visitar uma parte do meu passado.
PS 2 – Este texto não foi escrito observando as novas regras gramaticais, com exceção do acento capado na palavra estreia. Como todos, tenho até 2012 para me adaptar às novas regras. Turrão, vou deixar para a última hora. A não ser, é claro, que seja ameaçado com o corte da cesta básica pela coxoduzulda da minha tirânica editora.

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