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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Falhas nas conexões cerebrais

Sonhos de uma vida de verão
Dia desses, estava conversando com uma amiga sobre o aumento do número de divórcios. Eu, que já sou casada há quinze anos, fiquei espantada com os números que minha amiga tinha na ponta da língua! Acho que fiquei tão impressionada com o rumo da conversa e com a capacidade dessa moça para gravar dados estatísticos, que fui dormir pensando ainda nesse assunto.
Não deu outra! Sonhei com uma senhora, aparentemente com mais de setenta anos, sentada na varanda do seu quintal que não tinha cercas ou muros. Ela olhava para o sol laranja de grande circunferência enquanto em uma das mãos, a esquerda, segurava o que tinha cultivado por toda a vida.
A tal senhora, lembrou (sim, eu tinha acesso as reminiscências dela!) de sua infância rodeada de primos e brinquedos. Da adolescência e não conseguia enxergar, por mais que vasculhasse os cantos de sua memória, rebeldias ou grandes dores naquele período. Talvez porque achasse os outros é que foram rebeldes para com ela e não ela para com eles. E talvez porque nunca achou graça na dor. E sua vida foi sempre engraçada, pensou. Ou pelo menos sempre a viu assim.
Lembrou-se de ter entrado na vida adulta já velha e, ao mesmo tempo, ainda criança. Velha porque sempre esteve adiantada nos anos, mental e fisicamente (exceto no quesito altura). Criança porque não perdera a intensa vontade de descobrir novos mundos nem a petulância pueril (se bem que, remotamente, lembra-se dos desabores que isso acarretou vez por outra).
O primeiro carro. Uma Parati vinho, ano 1986. O desgraçado do automóvel tinha os bancos afundados e não aproximava muito do volante. Todos pensavam que o carro estava desgovernado quando ela o dirigia. Em compensação, favorecia conforto e vazão para as pernas do, então, namorado.
Recordou-se dos motivos para casar-se com esse namorado das pernas longas. A recusa em pactuar com dogmas nos quais não acreditava, presa em um vestido branco. Se bem que apreciava a simbologia da coroa na cabeça das noivas...
As viagens. Lembrou-se de todas. Das mais charmosas as mais esdrúxulas. Das que foi em bando. Das que foi sozinha ou com a seu essencial companheiro.
A primeira mudança de Estado. As dificuldades de adaptação. O retorno para sua amada cidade.
Os anos de trabalho sempre prazerosos, mesmo quando dificultosos.
A primeira gravidez. Lembrou-se da cara abobada dele, do marido, ao receber a notícia. A inquietante preocupação ao longo do parto demorado. A primeira filha, sua miniatura. O alívio ao ouvir o choro da menina estreando os pulmões.
Pensou nos netos, a extensão de sua família, gerada pelos filhos, agora pelos netos e daqui à pouco pelos bisnetos. E naquele momento, tão exclusivista e nada raro, não sentiu falta da zoada feita pelas crianças correndo pelo quintal.
Porque estava lembrando daquelas coisas? Nunca viveu do passado, mesmo sabendo que ele era o responsável por seu futuro e qual era mesmo o seu futuro? Ai, ai... a velhice e suas deficiências... Ah, sim! A mão que está enlaçada entre a sua! A mão que sempre lhe acarinhou. A mão que sempre esteve estendida e pronta pra acolher.
Continuou a olhar para o sol, que se juntava ao gramado do seu quintal, aquele, sem muros ou cercas. Não precisava olhar para o dono da mão para saber que ele também sorria por ter a certeza de que isso não era um sonho romântico deles. Era o futuro concretizado dela que ele tratou de realizar...
*
* Acordei com o sorriso dos lábios que aquela senhora tinha ao ver o entardecer de sua varanda.
Olhei para o lado esquerdo da cama onde meu marido deita-se. Não, não foi apenas um sonho. Da estatístca que minha amiga apresentou, nós não faremos parte.

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