Páginas

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

EntreAspas

"O que será, que será?"


A colunista chega de viagem, olhos recheados de asfalto e acidentes, memória colorida de cálidos afetos e mente em greve branca. Senta-se à frente do micro, abre mil e uma páginas em busca de uma epígrafe que, colocada entre aspas, abale suas estruturas e crie as conexões necessárias para um novo e belo texto.

Começa por Chico Buarque. E descobre: ele é extenso demais para uma noite de domingo. Pensa em Clarice Lispector, Cecília Meireles, Elisa Lucinda ou qualquer outra mulher que possa lhe dizer algo interessante. Mas por que uma mulher? Talvez porque o parceiro Dácio não tenha amassado o barro da companheira de Adão. Ou apenas para fugir do tema anterior. Passeia por várias delas, mas a tela continua sem o rachadim.

Ela pensa: se tudo continua como dantes no castelo de abranches, vamos requentar o café. Cinco anos escrevendo quase diariamente, é impossível não ter algo que possa ser remakeado. Com alguma bijuteria, um ruge bem vermelho, um batom brilhante e aquele rímel sedutor, não há Margareth Thatcher que não possa virar Dilma Rousseff.

Mas e aquele leitor que perde minutos de seu precioso tempo em busca de algo que tenha um mínimo de qualidade? O que diria ele se soubesse que não houve preliminares, nem se buscou a intenção do prazer infinito? Não! Mesmo numa rapidinha há que se ter alguma novidade.

E a colunista apóia o rosto numa das mãos enquanto a outra faz o mouse peregrinar pelos vários documentos do seu Word. Descobre várias páginas com apenas uma palavra quebrando a imensidão do branco. Sabe que um dia, quando foi deixada ali, cada uma daquelas palavras tinha várias conexões no seu pensamento. Hoje nenhuma lhe diz qualquer coisa. São apenas palavras soltas – testemunhas da sua pretensão de ter no cérebro um HD infinito.

Fecha o Word. Fecha os sítios que a ligam ao mundo das letras. E pensa: por que não se pode falar por imagens? E a primeira imagem que encontra, lhe toma os olhos e o coração. Meio rosto de Barak Obama e uma comprida lágrima a dizer mais que seu discurso de posse. De imediato, lembra os versos de Raulzito: sonho que se sonha junto, é realidade. Obama é o sonho de um (inconsciente ou imaginário?) coletivo mundial.

Assim pensando, volta novamente a Chico:
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhas do seu ventre
O homem de amanhã

E conclui: agora que a tecelã do amanhã são os ombros corajosos de Obama, o mundo volta às pequenas-grandes esperanças individuais. Mas será que estas tecelãs individuais estão centradas na construção do amanhã? Ou continuarão sendo os pequenos-grandes sonhos que se sonha só?

Não há como saber, senão adaptar Chico ao momento e colocar entre aspas a pergunta a cada leitor:

“O que será, que será, que todos os seus órgãos estão a clamar?”


midi: À flor da pele – Chico Buarque e Milton Nascimento

0 comentários:

 
PALIMPNÓIA | by TNB ©2010