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quarta-feira, 6 de maio de 2009

O Convidado

Homem de verdade

O que é o homem? Um ser divino ou diabólico?
Sem querer me intrometer demais na seriedade do assunto, até porque eu mesmo sou um belíssimo exemplar erectus pançudus etilicus, acredito ser o homem untado em azeite de dendê e bolinhos de chuva. Somos anjos diabólicos, difíceis e pragmáticos, carentes e infantis – complexos.
Mas tem coisas que só a raça-macho sabe fazer (bem)! Exemplo? Somente a raça-macho consegue se achar bonito quando toda as leis da gravidade e da estética nos provam o contrário. O homem é o único animal que, de sunga de praia, barrigudo, careca e míope, acha, de fato, que a mulher escultural na cadeira ao lado está sorrindo para ele.
Aliás, tem uma coisa que nós fazemos com sucesso nestes milênios que passamos ao largo: a incrível mitologia do Homem Durão. Misto de Clint com Rambo. Somos peritos na arte de esconder os sentimentos e liberar os instintos primitivos. Mascando tabaco ou palito entre os dentes, o homem é mesmo um típico exemplar. Mas isto tudo termina quando:
Nasce o filho da gente!
E aquela criatura, com uns pontinhos que chamamos de dedos, segura a sua mão. Aí não tem armadura que dê jeito, você vira um escravo do choro e da baba aguda. Devo admitir que chega a ser quase assustador e, talvez, seja a primeira vez em que percebemos estar sem controle do que está por vir. Não há planejamento que tire o gosto do vácuo. Uma onda de calor começa a percorrer os pulmões, passa pelos braços, que tremem, e termina como uma imensa pressão na nuca. A palavra “nasceu” deveria ser mais extensa, mais bem preparada. Ela é muito rápida. E esse “s” mudo e sem vida, sem pronúncia, não faz muito sentido ali, encaixado entre a primeira vogal humana e o intenso céu. Esse “s” é quase o apêndice da palavra. Não, “nascer” deveria ser mais divino, mais impronunciável, uma senha: 5xdf1458rju.
Há algo de assustador em ser pai, em ser homem de verdade. Certos compromissos possuem peso e grandeza que poucos conseguem digerir. Como vivemos em um mundo patriarcal, cujas religiões, política e sociedade, com raríssimas exceções, pregam o machismo, acostumamo-nos a enxergar o lado deturpado do espelho, dificilmente nos encontramos “nus” diante do próximo, carregamos uma espécie da armadura conveniente e preguiçosa, daquelas que, costurada pelas mãos da própria mãe, escondem nossos medos.
Talvez o homem seja produto de uma grande revolução. Uma revolução que busca a palavra certa, o “s” escondido, metamorfoseado, exilado nos seios de uma mulher.


Marcelo F. Carvalho
é professor e mora no Rio de Janeiro. Edita o blog Resumo da Chuva.

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