Shi's a Lady
Pois sim, então os temas para abril no Palimpnóia seriam Intolerância e Arte. Gelei: o Jens já se posicionou sobre a intolerância com a inevitável maestria e em matéria de arte eu sou simplesmente um zero à esquerda, apesar de ser taurina e ter uma mão razoável pra desenhar, pintar, modelar etc. O chato é que eu sou a prova viva e encarnada de que nessa vida nada se cria, tudo se copia. Mas em minha defesa eu digo: tem coisas que eu jamais copiaria!
Imagine você, juntamente com uma pequena multidão, disputando uma vaga em frente à seguinte cena: uma mulher grávida deitada numa pose clássica, com um feto à mostra. Ou ainda um homem sobre um cavalo empinado. Tudo estaria muito bem, se a dita mulher não estivesse com o ventre totalmente aberto e o cavaleiro não tivesse tido seu corpo seccionado em várias partes. Porém o mais absurdo de tudo isso é que o idealizador e compositor destas cenas, o anatomista alemão Gunther von Hagens, afirma que tudo aquilo é uma "obra de arte". Se alguém chegasse comigo e me perguntasse o que eu acho eu não hesitaria em dizer que a "exposição" é um trabalho grotesco de quem não tem coisa melhor para fazer na vida. Sem falar que é tudo uma grande falta de respeito por um dos momentos mais importantes da vida do ser humano (com perdão pela contradição): a morte.
Este espetáculo pavoroso tem início no centro de uma espécie de arena, onde o cadáver de um homem repousa sobre uma bancada. O mestre de cerimônias faz uma incisão em Y no tronco do morto, extraindo dali suas vísceras e, com serra, arranca o cérebro do idoso. Inacreditavelmente,as 350 pessoas presentes deliram
Mas o pior se expande, diante de uma situação que eu nunca imaginava: alguém aí tem conhecimento da crise que as universidades brasileiras enfrentam, nos cursos da área de saúde, por causa da falta de cadáveres para as aulas de Anatomia? Pois é, a situação está cada vez mais crítica. Como tudo neste país, a burocracia impera, os questionamentos éticos e religiosos acabam se sobrepondo à necessidade de os estudantes lidarem com o corpo humano ainda na faculdade e não apenas em uma sala de cirurgia, quando dão de cara com um corpo aberto e sangrando.
A medicina já foi, durante muito tempo, reconhecida como uma arte. Artistas como Leonardo Da Vinci (que considerou o homem como o centro do universo), Miguelangelo (que deixou registrado em "A Criação do Homem" seus conhecimentos dos músculos e tendões do antebraço) e Vesálio (dizem que o livro de Anatomia que se encontra aberto aos pés do cadáver dissecado na já mencionada pintura de Rembrandt é de sua autoria). Mas existem erros nesta obra que certamente não existiriam se ela tivesse sido pintada hoje, quando já se conhece minuciosamente o corpo humano. Eu que não sou das artes e nem consigo grandes apreciações sobre arte, já decidi: meu corpo, a partir deste momento, faço questão de doar à Anatomia. Espero, com isso, me tornar na morte o que não fui em vida: uma musa.
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