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Zeca: Trivialmente

domingo, 27 de junho de 2010

Zeca: Trivialmente

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Celebração


Junho chegou! Como sempre, com um arzinho de inverno, do romantismo (ou mercantilismo) do Dia dos Namorados, e o cheirinho de Festas Juninas com suas fogueiras, quentão, quadrilhas (quadrilhas?).

Mas uma vez a cada quatro anos, tudo isso muda, pois apaixonados - a maioria de nós - por futebol, nos preparamos para acompanhar os jogos da Copa do Mundo e seus modismos, com muitos enfeites em verde e amarelo pelas ruas, pelas roupas e, neste ano, com o barulho ensurdecedor das vuvuzelas.

Eu, claro, não fujo à regra. Não sou torcedor de nenhum time, embora nutra mais simpatia por uns e menos por outros. Costumo assistir alguns jogos durante o ano, principalmente os mais importantes e não perco os jogos da Seleção Brasileira. Mas de quatro em quatro anos, chego à beira do fanatismo! Não perco os noticiários esportivos, assisto jogos e treinos, acompanho o dia a dia dos atletas e, aí, me misturo à maioria dos torcedores brasileiros.

Este ano não foi diferente; desde maio estou me preparando para a Copa, fazendo uma agenda das atividades da Seleção, anotando as datas dos jogos para não assumir compromissos e vigiando os canais de televisão, para não perder nenhum programa esportivo, nenhuma informação sem a qual eu me sentiria o último dos brasileiros.

Mas aconteceu uma coisa que mexeu demais comigo, mais ainda que os jogos propriamente ditos: foi o Show de Abertura da Copa do Mundo! Para mim, um divisor de águas dentro do futebol. Aconteceu no dia 10 de junho, portanto, um dia antes da abertura oficial do Campeonato Mundial. Foi como um presente dos organizadores africanos para todo o mundo! Antes do início do show, grupos tribais mostraram ao mundo um pouco da cultura local e artistas de ponta dos países africanos dividiram o palco com artistas de renome mundial, em pé de igualdade, animando e emocionando a maioria das pessoas da platéia e aqueles que, como eu, acompanharam tudo pela TV.

Mas quando Desmond Tutu (Prêmio Nobel da Paz de 1984), arcebispo de Johannesburgo entrou no palco vestido com as cores do país e foi ovacionado pela população, intercalando um rápido e emocionado discurso com passos de dança e muita alegria, a emoção tomou conta de mim como há muito tempo não acontecia. Chorei copiosamente.

Como era de se esperar, o arcebispo prestou uma homenagem ao grande herói sul africano, Nelson Mandela. - Viva Madiba! - disse, referindo-se ao apelido do líder africano, que não esteve presente na abertura por questões médicas. O grito de agradecimento orquestrado por Desmond Tutu foi uma demonstração do reconhecimento do povo sul-africano à trajetória de Mandela, que passou a maior parte de sua vida lutando contra o apartheid, um regime de segregação racial que imperou na África do Sul durante praticamente todo o século XX. Por essa luta esteve preso durante 25 anos (e o bispo Tutu, calado pelas autoridades) e entre 1994 e 1999 governou o país, após sua saída do apartheid preparando o povo para a democracia.

O país ainda tem muitos problemas políticos, sociais e econômicos. Tem muita pobreza e desigualdade, mas um povo extremamente orgulhoso de sua liberdade. Um povo alegre e aberto a todos os povos, com quem celebra a vida livre dentro de um novo mundo. E mostrou ao mundo sua capacidade de oferecer uma festa tão bem organizada quanto qualquer outro país. E mostrou a todos algo raramente mostrado nesses eventos: a alegria e o orgulho em, finalmente, aparecer perante o mundo como a sede de um evento grandioso. E mostrar ao mundo que têm esperança suficiente para seguirem sua difícil caminhada rumo ao progresso, com dignidade. E por isso, celebram!

E eu? Feliz e emocionado me preparei para, no dia seguinte, seguir a abertura oficial da Copa do Mundo da África e, dali para frente, acompanhar a maioria dos jogos e dos programas esportivos da TV. Só que, diferente das Copas anteriores, desta vez com um sentimento de carinho por esse povo que, muitos de nós mal conhecíamos.

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13 comentários:

Shirley disse...

Zequinha, essa copa tbm temsido uma das minhas preferidos: eu adoro de paixão toda essa exoticidade que vem da áfrica (especialmente os negões liiiiiiiindos que tem por lá... rs). Êta povo guerreiro, que não se deixa abater pelas dificuldades e sempre encontra uma forms de seguir em frente - me lembra bastante o Brasil. Esse ano a minha casa tá servindo de point pra torcida familiar e amigos, e pense num povo que faz barulho! Mas eu tô adorando tudo isso. E depois dos jogos eu sempre dou um pulinho ali na espn pra ver trajano, juca kfouri, palomino e cia comentando soberbamente tudo o que se passou durante o dia. a band é legal tbm, mas tem o Neto, e o Neto é um chato de galocha! enfim! Adorei teu texto, especialmente pela sacudida que deu em vários temas atuais e aos quais a gente precisa mesmo prestar atenção. Bjo, querido - e bóra torcer! :-D

28/6/10 10:36
Miguel S. G. Chammas disse...

Zecamigo,
também eu fui sacudido por aquele espetáculo de abertura, principalmente quando os tambores africanos se faziam presentes.
Tambem me emocionei com a oração de Desmond Tutu.
Esta copa é a copa da alegria, da dança e de um povo livre.
Pena que a seleção canarinho tão mal estruturada e dirigida não me deixe assistir aos jogos como o fanático torcedor que sempre fui.

28/6/10 11:36
Zeca disse...

Shizoca, dada sua postura sempre pra frente e pra cima, imagino a alegria que explode em sua casa a cada gol da nossa seleção!

Miguel, velh'amigo do peito! Esta é uma das raras vezes em que ouso discordar de suas opiniões sempre tão bem abalizadas, pois eu acho a nossa seleção muitíssimo bem estruturada e estou ao lado do Dunga, que conseguiu o espírito de união e de equipe que se percebe em campo - e fora dele também. Nesta copa, ao contrário da última, não se vê ataques de estrelismo, nem abuso de vontades e de fama.

Espero que no próximo dia 02/07 você resgate sua paixão e torça fanaticamente contra a Holanda, como eu estarei fazendo aqui.

Beijos e abraços.

28/6/10 19:26
Jacinta Dantas disse...

Nossa, Zeca,
muito boa sua percepção do diferencial que demarca essa Copa mundial. Mostrar-se ao mundo, celebrando com alegria e altivez, confere ao povo Africano o orgulho de ser Povo incansável na luta e busca pela conquista de seus direitos.

Grande abraço

28/6/10 19:45
Euza disse...

Zequinha, ando muito afastada da mídia, portanto sei pouco sobre o que anda acontecendo. Mas é impossível não estar ligada na Copa do Mundo - futebol parece estar no sangue da gente, né?
Entretanto, fico cá a me cobrar e a pensar na grandiosidade dos estádios e no investimento feito para esta copa. Também não dá pra esquecer as inúmeras imagens de uma África onde impera a fome, as guerras, as atrocidades feitas em nome da tirania e dos deuses. É, eu sei, falar disso em plena festa parece ser um contrassenso. É meio que "tirar a bala da boca de criancinha". Mas não seria a copa a grande bala dos países pobres?
Por outro lado, será que a visibilidade proporcionada pela copa trará retornos para minorar o sofrimento da maioria dos africanos?
Enfim, vc tem razão querido, o show de abertura foi realmente lindo - e acho que me emocionou tanto qto a vc. E tudo isso me faz lembrar deste nosso grande país e do que será a proxima copa! Que Deus ilumine os nossos governantes, né não? rs...
Beijoconas

29/6/10 12:55
Canto da Boca disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Canto da Boca disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Canto da Boca disse...

Zeca, seu poste é primoroso, sobretudo, quando trata daquilo que me é mais caro: África! Porque eu creio plenamente que já é passado o tempo em que esse continente tenha de fato seu lugar nessa sociedade altamente tecnológica, globalizada e capitalista. Não como sujeito "exótico", até porque isso é um conceito que eu abomino, porque advém da necessidade de definir o outro diferente; o diferente é só o diferente daquilo que estamos habituados, e desconhecemos. Uma das questões que propus estudar, quando fui seleccionada para o doutorado em Estudos Africanos, foi exactamente trabalhar a questão da identidade e as fricções étnicas.

E eu particularmente, estou farta desse modelo global que exclui as nações africanas, sem permitir(em) que ela se insira em um mundo que produz e consome, apesar das enormes contradições e fragilidades, da economia e da política de cada país; cada África, é uma África muito particular e única; estou farta desse esvaziamento deliberado da ”criatividade, de suas inteligências, de sua imensa capacidade de resistência, de suas riquezas naturais”, intelectuais e outros quemais. Se os poderosos do mundo, não impedem totalmente, retardam as “verdadeiras libertações” que os países africanos ainda têm que fazer. Estive em Áfricas, convivi e convivo com alguns africanos, e sou muito feliz e grata por esse convívio. A África é para mim mais que um continente, é um projecto de vida. É com quem me identifico desde os batuques e ritmos ancestrais até pelo modo de vida onde a humanidade é o quesito fundamental para todos, ela está entranhada em mim e diluída em meu sangue.

Um beijo grande parabéns pelo poste e obrigada pela partilha.

29/6/10 19:54
Zeca disse...

Jajá, querida!
Embora o continente africano seja considerado o berço da civilização, a maioria de seus habitantes vem sofrendo há séculos, tanto com guerras internas, quanto com a colonização estrangeira, o que os impede de serem inseridos no mundo.E, com tudo isso, parece que nada os abate! É essa garra, essa coragem e essa esperança de conquistar seu lugar no mundo que leio naqueles sorrisos amplos e iluminados.

D’Euza minha!
Hoje sabemos que existem várias Áfricas, inclusive essa, dos estádios grandiosos feitos especialmente para abrigar esse mega evento que é a Copa do Mundo. Sabemos também que, ao lado dela, existem diversas outras, atropeladas pelas guerras, pelos fanatismos, pelas doenças mortais.
Por outro lado, a visibilidade de um evento como esse pode, através de outros investimentos (que são sempre esperados!), minorar o sofrimento, senão da maioria, pelo menos de uma parte dos africanos, através de mais postos de trabalho, algum grau de especialização de mão de obra e o que mais for agregado como benefício.
Mas tudo isso é uma discussão muito mais abrangente, que envolve muitíssimos pontos que nem caberiam neste nosso espaço limitado e mensal. É uma discussão que pode ser proposta a todos que dela quiserem participar, através de seus blogs, de suas listas de relacionamento e até mesmo daqui, claro!
Por enquanto, vamos curtir nossa paixão pelo futebol e torcer. Não apenas para que a seleção brasileira vença mais uma copa do mundo, mas também para que os governantes envolvidos saibam cada vez mais como aplicar cada vez melhor, em benefício de todos os povos, as cordilheiras de dinheiro envolvidas nesses empreendimentos biliardários.

Boquinha, amiga do coração!
Talvez por falta de atenção minha, sinto-me obrigado a confessar que fiquei agradavelmente surpreso ao saber que o seu doutorado era em Estudos Africanos. Desculpe minha falha! Eu também sempre tive um carinho especial pela África, mas em minha ignorância, pelos mistérios de suas milenares civilizações que a deixaram sempre no centro das atenções, embora, na maioria das vezes, como povos “atrasados, selvagens, exóticos”... dominados e colonizados por outros povos, que se julgavam superiores, civilizados, modernos. E esses povos, infelizmente, são nossos ancestrais, pois grande parte de nós, brasileiros, somos descendentes deles. E foram eles que mantiveram, ao longo de séculos, esses povos africanos, tão ricos em suas culturas, escravizados de todas as formas possíveis, sem possibilidade de libertação. E agora, pós apartheid, a África do Sul tem uma possibilidade de se mostrar ao mundo, expor não só suas fragilidades, mas também suas capacidades. Entre outras coisas (industrialização, por exemplo), a Copa do Mundo é um dos canais que permitem essa exposição. E no embalo, os demais países do continente africano.
Como já disse à D’Euza, este também é um assunto “pra mais de metro” e nosso espaço é limitado. Espero que tudo isso leve muito mais pessoas a enxergar os povos africanos, suas mazelas e também todas as suas potencialidades. E que essas discussões ganhem mundo e obtenham retorno positivo em prol da liberdade de todos os povos.
E agora, que venham os holandeses! E depois, quem mais vier!

Beijos, carinho.

30/6/10 12:07
Canto da Boca disse...

Zeca, vim trazer-te uma prenda, o depoimento da escritora nigeriana, Chimamanda Adichie, fala por mim. Peço-te por favor, dispense 20 min do seu tempo para ver, ouvir e sentir, risos. Um beijo e carinho. Curta!

http://www.ted.com/talks/lang/por_pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html

1/7/10 11:07
Zeca disse...

Boquinha,

realmente você me trouxe uma prenda! Uma prenda muito valiosa, que me deixou extasiado e que vou rever muitíssimas vezes, pois fiquei fã de Chimamanda Adichie e pretendo, inclusive, procurar pelos seus livros.
Muito obrigado, minha amiga! Muitíssimo obrigado mesmo!!!

Beijão.

Ah! E se alguém quiser conhecer Chimamanda, é só copiar o endereço no comentário acima e curtir uma palestra belíssima sobre, principalmente, a grande importância de história única que pode manter uma pessoa, uma cidade, um povo inteiro marcado para sempre por essa única história...

1/7/10 21:23
Aline Belle disse...

Como a Euza (ui!) eu tb pensei nesse povo que teve milhões e milhões de moneys investidos em um evento, que pagou milhões e milhões e milhões de moneys, que arrecadou (óbvio...) milhões e milhões e milhões e milhões de moneys para seus bambambans. pensei nesse povo que continuará subdesenvolvido depois desse evento, mesmo com tantos moneys tendo passado por lá... Tudo uma questão de onde se aplica o dinheiro e o retorno que essa aplicação dará. E isso acontecerá com nosso país daqui 4 anos e com outros daqui mais 4, ou 8...
Mas eu, humana que sou, confesso que me deliciei com os jogos. E que ainda me delicio, apesar do BraZil estar eliminado (agora sou Uruguai desde piveta). E, ao me deliciar com os jogos, ao me deixar levar pela magia e encanto do futeblo, nesses momentos me esquecia de tudo q escrevi acima. Me esquecia de todo os moneys envolvidos nisso e criticados por mim mesma. E assim, fazia (faço) parte dessa máquina...
Well?
Well...
Beijos, Zeca.

5/7/10 22:57
Zeca disse...

Cherryzoca!

Oquecocê acha que eu fiz pra escrever esse texto? Esqueci o político e o social e me ative apenas à paixão nacional, agora quase mundial, que é o futebol! Se bem que, o que me emocionou mesmo, continua sendo o show de abertura!
E viva a Espanha, Campeã Mundial de 2010!

Beijoconas.

15/7/10 13:12
 
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